terça-feira, 12 de novembro de 2024

"O bem de família voluntário mantém com o bem de família legal relação de coexistência e não de exclusão"

 



Processo

REsp 2.133.984-RJ, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 22/10/2024, DJe 28/10/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Revogação tácita da Lei n. 8.009/1990 pelo Código de Processo Civil. Não ocorrência. Bem de família legal e voluntário. Coexistência.

Destaque

O bem de família voluntário mantém com o bem de família legal relação de coexistência e não de exclusão.

Informações do Inteiro Teor

Discute-se se a proteção legal conferida pelos artigos 1º e 5º da Lei n. 8.009/1990 ao bem de família teria sido tacitamente revogada pelo Código de Processo Civil.

A tese de que esses dispositivos foram revogados contraria o próprio Código de Processo Civil, que admite a convivência com outras declarações legais de impenhorabilidade ao estabelecer, antes de apresentar o seu próprio rol, que "não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis" (art. 832).

Além de contrariar esse dispositivo, o entendimento de que o art. 833 do CPC teria exaurido as hipóteses de impenhorabilidade também é incompatível com a tradição jurídica brasileira, na qual o bem de família foi sempre regulado por outros diplomas e normas, como o Código Civil de 1916 (art. 70 e seguintes), o Código Civil de 2002 (art. 1.711 e seguintes) e a Lei n. 8.009/1990.

Por outro lado, o fato do CPC ter afirmado em seu art. 833, I, que são impenhoráveis os bens "declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução" não implica a revogação tácita do art. 5º, caput e parágrafo único, da Lei n. 8.009/1990, que, cuidando de hipótese diversa, declara a impenhorabilidade do bem de família de menor valor, quando outro não for indicado no registro público.

O bem de família voluntário, que encontra previsão no art. 1.711 do CC e no art. 833, I, do CPC, mantém com o bem de família legal (Lei n. 8.009/1990) relação de coexistência e não de exclusão.

Assim, o fato do imóvel não estar registrado como bem de família não o torna penhorável, haja vista o que estabelecem os artigos 1º e 5º da Lei n. 8.009/1990.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

"Pedido da autora para o fornecimento do conteúdo de "emails" armazenados pelas provedoras para apurar eventual responsabilidade, de quem não é parte no processo, sobre a pirataria de dados - Impossibilidade - Inviolabilidade da intimidade - Interesse público e gravidade da ilicitude que não autorizam a quebra de sigilo da comunicação privada"

 


"RESPONSABILIDADE CIVIL - Obrigação de fazer - Cumulação com tutela de urgência antecipada - Fornecimento de dados - Conteúdo de e-mail armazenado por empresa provedora de aplicação - Proteção à privacidade dos usuários - Marco civil da internet - Observância - Necessidade - Sentença parcialmente procedente, para determinar às rés a complementação dos dados apresentados, condenando-as a fornecer os dados das portas lógicas - Insurgência das rés e da autora - Alegação das rés de impossibilidade de fornecer os dados das portas lógicas pelo provedor de aplicação - Descabimento - Responsabilidade dos provedores de conexão e de aplicação - Inteligência do relatório da Anatel e interpretação finalística e sistemática do Marco Civil da Internet - Precedentes do STJ e deste TJSP - Pedido da autora para o fornecimento do conteúdo de "emails" armazenados pelas provedoras para apurar eventual responsabilidade, de quem não é parte no processo, sobre a pirataria de dados - Impossibilidade - Inviolabilidade da intimidade - Interesse público e gravidade da ilicitude que não autorizam a quebra de sigilo da comunicação privada - Recursos não providos. (Apelação Cível n. 1051743-96.2018.8.26.0100 - São Paulo - 2ª Câmara de Direito Privado - Relator: Ana Paula Corrêa Patiño - 04/06/2024 - 740 - Unânime)

sábado, 9 de novembro de 2024

"O condômino, individualmente, não possui legitimidade para propor ação de prestação de contas, pois a obrigação do síndico é de prestar contas à assembleia de condomínio"

 


Processo

AgInt no AREsp 2.408.594-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/9/2024, DJe 18/9/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Condômino. Isoladamente. Exigir contas do contas do síndico. Ilegitimidade ativa. Lei n. 4.591/1964. Art. 1.348 do Código Civil.

Destaque

O condômino, individualmente, não possui legitimidade para propor ação de prestação de contas, pois a obrigação do síndico é de prestar contas à assembleia de condomínio.

Informações do Inteiro Teor

Ressalte-se que os artigos 22, § 1º, f, da Lei n. 4.591/1964 - lei que disciplina o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias - e 1.348, VIII, do Código Civil dispõem que compete ao síndico, dentre outras atribuições, prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas. Assim, a assembleia é quem representa todos os condôminos, destinatária e competente para reclamar a prestação de contas do síndico.

Nesse contexto, não cabe ao condômino sobrepor-se àquele órgão devendo buscar a eficiência da administração condominial, sem olvidar que o condômino detém o direito de acessar os livros, atas e documentos relacionados à administração do condomínio. E, contra contas irregulares aprovadas, cabível ao condômino a ação de nulidade de aprovação.

No caso, no que tange à alegação de ilegitimidade ativa do autor, uma vez que a prestação de contas deveria ser tão somente à assembleia dos condôminos e não à um condômino ou lojista isoladamente, o Tribunal de origem entendeu que o autor, lojista, possui legitimidade para exigir contas do condomínio.

Entretanto, a Corte a quo divergiu da atual orientação do STJ, no sentido de que "o condômino, isoladamente, não possui legitimidade para propor ação de prestação de contas, pois a obrigação do síndico é de prestar contas à assembleia, nos termos do art. 22, § 1º, f, da Lei n. 4.591/1964" (REsp n. 1.046.652/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 16/9/2014, DJe de 30/9/2014), o que impõe o reconhecimento da ilegitimidade ativa.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

“É inconstitucional norma que, a pretexto de regulamentar a participação da sociedade civil no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), acaba por a dificultar.”

 


DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

 

Composição do Conselho Nacional dos direitos da pessoa com deficiência - ADPF 936/DF 

 

ODS10

 

Tese fixada:

 

“É inconstitucional norma que, a pretexto de regulamentar a participação da sociedade civil no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), acaba por a dificultar.”

 

Resumo:

            São inconstitucionais — por dificultarem a fiscalização e a participação da sociedade civil nas políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência — atos normativos que alteram regras de representação e de indicação de órgãos para composição do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE).

            O CONADE é um órgão consultivo e deliberativo, atualmente vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, destinado a acompanhar, sugerir e fiscalizar a adoção de políticas públicas para a inclusão social das pessoas com deficiência. Em que pese a sua existência ser anterior à ratificação da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência pelo Brasil, ele atua efetivamente como mecanismo independente previsto no diploma internacional, exercendo a função de promover, proteger e monitorar sua implementação pela Administração Pública. Nesse contexto, haverá, relativamente à Administração Pública, um espaço para regular o funcionamento do órgão, o qual, entretanto, estará limitado à tomada de medidas que não interfiram na sua finalidade última.

            Na espécie, os atos normativos impugnados, ao estabelecerem a abertura de processo seletivo, ao invés de eleições livres, para a escolha dos representantes da sociedade civil no CONADE, vulneraram o caráter independente do órgão e a possibilidade de participação efetiva da sociedade civil, o que é expressamente garantido pelo texto da Convenção internacional (1). Isso, porque não se trata da melhor escolha para a Administração Pública, de acordo com sua conveniência e discricionariedade, mas da implementação de mecanismos de participação e representação da sociedade civil, a quem é dado exercer controle social das políticas públicas com a devida autonomia e isenção, tendo em vista o melhor interesse da sociedade.

            Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, após receber a arguição de descumprimento de preceito fundamental como ação direta de inconstitucionalidade, conheceu em parte da ação e, quanto a essa parte, julgou parcialmente procedente o pedido nela contido, para declarar a inconstitucionalidade do art. 7º do Decreto nº 10.177/2019 (2) — com a redação conferida pelo Decreto nº 10.812/2021 e com sua redação anterior — e, por arrastamento, dos editais de processo seletivo elaborados com fundamento nos atos invalidados, com a fixação da tese anteriormente citada.

 

            (1) Precedente citado: ADPF 622.

             (2) Decreto nº 10.177/2019: “Art. 7º  O regulamento do processo seletivo para a escolha das organizações referidas no inciso II do caput do art. 3º será elaborado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e divulgado por meio de edital público, publicado no Diário Oficial da União com antecedência mínima de noventa dias em relação ao término do mandato dos membros que estejam em exercício. (Redação dada pelo Decreto nº 10.812, de 2021)”

 

ADPF 936/DF, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 18.10.2024 (sexta-feira), às 23:59

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

"A área geográfica de abrangência em que a operadora fica obrigada a garantir todas as coberturas de assistência à saúde contratadas pelo beneficiário é limitada ao território nacional, salvo se houver previsão contratual em sentido contrário´"

 


Processo

REsp 2.167.934-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2024, DJe 17/10/2024.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO DA SAÚDE

Tema
 

Plano de saúde. Beneficiária diagnosticada com câncer de mama. Exame realizado no exterior. Cobertura. Área geográfica de abrangência do contrato. Limitação ao território nacional. Recusa de custeio justificada.

Destaque

A área geográfica de abrangência em que a operadora fica obrigada a garantir todas as coberturas de assistência à saúde contratadas pelo beneficiário é limitada ao território nacional, salvo se houver previsão contratual em sentido contrário.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia sobre a obrigatoriedade ou não de custeio, pela operadora do plano de saúde, de exame realizado no exterior.

O art. 10 da Lei 9.656/1998, que trata do plano-referência de assistência à saúde, obriga as operadoras à "cobertura assistencial médicoambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil".

O art. 16, X, da mesma lei, estabelece que, dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos planos privados de assistência à saúde devem constar dispositivos que indiquem com clareza, dentre outros, a área geográfica de abrangência, a qual, de acordo com o art. 1°, § 1°, I, da Resolução Normativa 566/2022 da ANS, corresponde à "área em que a operadora fica obrigada a garantir todas as coberturas de assistência à saúde contratadas pelo beneficiário, podendo ser nacional, estadual, grupo de estados, municipal ou grupo de municípios".

Nesse sentido, a interpretação do art. 1°, § 1°, I, da Resolução Normativa 566/2022 da ANS, à luz da regra do art. 10 da Lei 9.656/1998, leva à conclusão de que a área geográfica de abrangência, em que a operadora fica obrigada a garantir todas as coberturas de assistência à saúde contratadas pelo beneficiário, é limitada ao território nacional.

Ademais, a Terceira Turma do STJ já decidiu que "não há se falar em abusividade da conduta da operadora de plano de saúde ao negar a cobertura e o reembolso do procedimento internacional, pois sua conduta tem respaldo na Lei 9.656/98 (art. 10) e no contrato celebrado com a beneficiária" (REsp n. 1.762.313/MS, julgado em 18/9/2018, DJe de 21/9/2018).

Assim, salvo por força de cláusula contratual, o legislador expressamente excluiu da operadora a obrigação de garantir a cobertura de tratamentos ou procedimentos realizados no exterior, não sendo aplicável, portanto, a regra do § 13 do art. 10 da Lei 9.656/1998 nessas circunstâncias.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

"É abusiva a cláusula que prevê a retenção de recebível a partir de simples contestação da compra pelo titular do cartão julgada procedente pelos participantes da relação de arranjos de pagamento"

 


Processo

REsp 2.151.735-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para ácórdão Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, por maioria, julgado em 15/10/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Contrato de credenciamento de cartão de crédito. Responsabilidade. Chargeback. Cláusula contratual abusiva. Demonstração. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Destaque

É abusiva a cláusula que prevê a retenção de recebível a partir de simples contestação da compra pelo titular do cartão julgada procedente pelos participantes da relação de arranjos de pagamento.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia cinge-se em definir se é abusiva a cláusula contratual, firmada entre lojista e credenciadora de cartão de crédito, imputando ao primeiro o dever de restituir integralmente o valor recebido pela transação financeira caso ela seja objeto de chargeback, definido como o cancelamento de uma venda cujo pagamento foi realizado com cartões de crédito ou débito porque o (I) titular do cartão não reconheceu a compra, ou (II) a transação não obedeceu às regras previstas nos contratos, termos, aditivos e manuais elaborados pelas administradoras de cartões. Por conseguinte, há "o cancelamento do repasse ou estorno do crédito, se já efetuado, pela credenciadora ao lojista.

Com a efetivação de uma única compra por meio de cartão de crédito, nascem ao menos três títulos de crédito: um do portador em relação ao emissor, pagável até a data do vencimento da fatura, o segundo do emissor para a credenciador, descontada a taxa de intercâmbio e o terceiro se dá entre o credenciador e o estabelecimento, deduzida a taxa de desconto.

Ao contestar o lançamento em sua fatura, o portador do cartão tem por objetivo a anulação em série desses três recebíveis. A contestação de lançamentos com a retenção de recebíveis (chargeback) é a forma de resolução de conflitos mais comum no comércio eletrônico, sendo o mais acessível e favorável ao consumidor.

Com a globalização econômica e utilização transfronteiriça dos meios de pagamento como cartão de crédito, é do interesse dos arranjos de pagamento que as regras sejam o mais uniforme possível entre os países e é comum que as bandeiras se orientem mais pelas regras dos maiores mercados nos quais estão inseridas.

De acordo com as Lei n. 12.865/2013, que instituiu o Sistema Brasileiro de Pagamentos, cabe ao Banco Central regulamentar o sistema e, até o momento, incumbe a cada uma das bandeiras de cartão de crédito regulamentar suas políticas de contestação por lançamentos, sem que haja o estabelecimento de regras mínimas comuns a todos.

A contestação de lançamentos possui pontos relevantes em que a evolução se faz necessária, entre os quais ressalta-se a transparência e acesso à informação. Os espaços privados têm que ser respeitados e sua autonomia garantida, não estando, contudo, imunes à eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Originalmente, a proteção fornecida pelos direitos fundamentais objetivava a proteção das pessoas naturais contra os arbítrios do Estado. Com a evolução, as pessoas jurídicas também passaram a poder se abrigar sob esse guarda-chuva e, mais recentemente, a posição doutrinária e jurisprudencial é de que os direitos fundamentais também irradiam seus efeitos nos negócios privados.

A teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais foi inicialmente trazida à jurisprudência brasileira por decisão do Supremo Tribunal Federal, no qual se decidiu que, para uma associação possa excluir um de seus membros, é necessário que se respeite a ampla defesa e o contraditório.

Dessa forma, a mesma ampla defesa e o contraditório devem ser garantidos nas contestações de lançamentos.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

"É constitucional — por não violar a reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo para projetos de lei que envolvam a criação de órgãos, cargos e funções na Administração Pública (CF/1988, arts. 61, § 1º, “a” e “e” e 84, VI, “a”) — lei estadual, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a proteção e a defesa de animais e o controle de reprodução e regulamentação da vida de cães e gatos encontrados nas ruas"

 


DIREITO CONSTITUCIONAL – PROCESSO LEGISLATIVO; COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE; INICIATIVA PARLAMENTAR; MEIO AMBIENTE; PROTEÇÃO DOS ANIMAIS; CONTROLE REPRODUTIVO DE CÃES E GATOS

 

 

Proteção dos animais e controle reprodutivo de cães e gatos encontrados nas ruas no âmbito estadual ADI 4.959/AL 

 

ODS311 e 15

 

Resumo:

            É constitucional — por não violar a reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo para projetos de lei que envolvam a criação de órgãos, cargos e funções na Administração Pública (CF/1988, arts. 61, § 1º, “a” e “e” e 84, VI, “a”) — lei estadual, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a proteção e a defesa de animais e o controle de reprodução e regulamentação da vida de cães e gatos encontrados nas ruas.

Não obstante a legislação questionada estabeleça política pública que gera para o poder público atribuições e despesas, ela não cria órgão nem disciplina a estrutura da Administração. Nesse contexto, esta Corte já decidiu que a mera possibilidade de uma proposição parlamentar ter como consequência o aumento de despesas para a Administração não se revela circunstância suficientemente apta a caracterizar violação à cláusula de reserva de iniciativa do Poder Executivo (1).

Ademais, a proteção da fauna e do meio ambiente se insere na competência legislativa concorrente da União, dos estados e do Distrito Federal (CF/1988, art. 24, VI), bem como na competência administrativa comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (CF/1988, art. 23, VI e VII).

A lei estadual questionada institui também política que assegura direitos fundamentais, como a saúde pública, ao evitar a disseminação de doenças, sem constituir, entretanto, óbice à atuação suplementar dos municípios relativamente às suas particularidades para tratar de interesses locais.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação direta para declarar a constitucionalidade da Lei nº 7.427/2012 do Estado de Alagoas.

 

(1) Precedente citado: ARE 878.911 RG (Tema 917 RG)

(2) Lei nº 7.427/2012 do Estado de Alagoas: “Art. 1º Fica instituída no âmbito do Estado de Alagoas a adoção de medidas sanitárias e de proteção que objetivam o controle reprodutivo de cães e gatos na forma regulamentada por esta Lei. Art. 2º As medidas sanitárias e de proteção serão realizadas através da: I – identificação e registro do animal; II – esterilização cirúrgica; III – adoção de campanhas educacionais para a conscientização pública da realização das atividades descritas nos incisos I e II. Art. 3º É vedada a eliminação da vida de cães e gatos pelos Órgãos de controle de zoonoses, pelos canis situados no Estado de Alagoas e por estabelecimentos congêneres, à exceção da eutanásia. Art. 4º A eutanásia só será permitida em caso de males, doenças graves, enfermidades infectocontagiosas incuráveis que coloquem em risco a saúde dos seres humanos ou de outros animais e deverá obrigatoriamente: I – ser justificada por laudo do responsável técnico dos órgãos. canis e estabelecimentos congêneres regulamentados por esta Lei; II – o laudo descrito no inciso I, nos casos em que se façam necessários para diagnóstico dos males, doenças graves e enfermidades infectocontagiosas, deverão ser precedidos de exame laboratorial; III – os documentos descritos nos incisos I e II deste artigo ficarão à disposição das entidades de proteção dos animais. Art. 5º Caso o animal recolhido não se enquadre nas hipóteses em que é permitida a eutanásia, conforme disciplinado no art. 4º, ele permanecerá à disposição do seu proprietário ou cuidador pelo prazo de setenta e duas horas, oportunidade em que será esterilizado. Parágrafo Único. Vencido o prazo disposto no caput deste artigo, o animal não resgatado será disponibilizado para adoção e registro após sua identificação às entidades de proteção dos animais ou a pessoa física mediante a assinatura de termo integral de reponsabilidade pelo adotante. Art. 6º O animal de rua com histórico de mordedura, injustificada e comprovada por laudo médico, será inserido em programa especial de adoção, de critérios diferenciados, prevendo assinatura de termo de compromisso pelo qual o adotante se obrigará a cumprir o estabelecido em legislação específica para cães bravios, a manter o animal em local seguro e em condições favoráveis ao seu processo de ressocialização. Parágrafo Único. Caso não seja adotado em noventa dias, o animal poderá ser eutanasiado. Art. 7º É proibido abandonar animais em qualquer área pública ou privada. Parágrafo Único. O(s) animal(is) que não possa(m) ser mantido(s) por seu proprietário será(ão) encaminhado(s) ao Serviço Médico Veterinário e de Controle de Zoonoses, ou outra instituição adequada à sua adoção, pública ou privada, que tenha por finalidade a proteção e manutenção de animais. Art. 8º Caso o cão venha a ser um animal comunitário, para os fins desta Lei é o cão que estabelece com uma determinada comunidade laços de dependência e manutenção, embora não possua responsável único e definido, será esterilizado e registrado. Parágrafo Único. O cão comunitário poderá ser devolvido à comunidade de origem mediante a assinatura de termo integral de responsabilidade por um cuidador especial. Art. 9º O recolhimento dos animais descritos nesta Lei observará os procedimentos protéticos de manejo, transporte e averiguação da existência de proprietário, do responsável ou do cuidador na sua comunidade. Art. 10. Para efetivação desta Lei, o Poder Público poderá viabilizar as seguintes medidas: I – destinação, por órgão público, de local para a manutenção e exposição dos animais disponibilizados para adoção, que será aberto à visitação pública, onde os animais serão separados conforme critério de compleição física, de idade e de temperamento; II – os animais não adotados passarão a ser de responsabilidade do Estado de Alagoas em local e assistência incluindo se for o caso tratamento adequado; III – campanhas que conscientizem o público da necessidade de esterilização, de vacinação periódica e de que o abandono, pelo padecimento infligido ao animal, configura, em tese, prática de crime ambiental; e a prática de maus tratos que significa toda e qualquer ação voltada contra os animais que implica em crueldade, especialmente ausência de alimentação mínima necessária, excesso de peso de carga, tortura, uso de animais feridos, submissão a experiências pseudocientíficas, e o que mais dispõe o Decreto Federal nº 24.645, de 10 de julho de 1.984 (Decreto de proteção dos animais); IV – orientação técnica aos adotantes e ao público em geral para os princípios da tutela responsável de animais, visando atender às suas necessidades físicas, psicológicas e ambientais; V – solicitar e acompanhar as ações dos órgãos da Administração, Direta ou Indireta, que têm incidência no desenvolvimento dos programas de proteção e de defesa dos animais; VI – propor alterações na legislação vigente para a criação, transporte, manutenção e comercialização, visando aprimorar e garantir maior efetividade no respeito ao direito legítimo e legal dos animais, evitando-se a crueldade aos mesmos e resguardando suas características próprias; VII – solicitar ações que visem, no âmbito do Estado, junto à sociedade civil, a defesa e a proteção dos animais. Art. 11. O Poder Executivo deverá regulamentar a presente Lei. Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 13. Revogam-se as disposições em contrário.”

 

ADI 4.959/AL, relator Ministro Nunes Marques, julgamento virtual finalizado em 18.10.2024 (sexta-feira), às 23:59


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

"O Ministério da Saúde, em observância aos direitos à dignidade da pessoa humana, à saúde e à igualdade (CF/1988, arts. 1º, III, 3º, IV, 5º, caput, e 6º, caput), deve garantir atendimento médico a pessoas transexuais e travestis, de acordo com suas necessidades biológicas, e acrescentar termos inclusivos para englobar a população transexual na Declaração de Nascido Vivo (DNV) de seus filhos"

 


DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITO À SAÚDE; PESSOAS TRANSEXUAIS E TRAVESTIS; ATENDIMENTO MÉDICO COMPATÍVEL DE ACORDO COM SUAS NECESSIDADES BIOLÓGICAS; IGUALDADE; IDENTIDADE DE GÊNERO; ACRÉSCIMO DE TERMOS INCLUSIVOS NA DECLARAÇÃO DE NASCIDO VIVO

 

Pessoas transexuais e travestis: direito ao atendimento médico de acordo com as suas necessidades biológicas e direito à correta identificação nas DNVs de seus filhos ADPF 787/DF 

 

ODS: 3 e 10

 

Resumo:

O Ministério da Saúde, em observância aos direitos à dignidade da pessoa humana, à saúde e à igualdade (CF/1988, arts. 1º, III, 3º, IV, 5º, caput, e 6º, caput), deve garantir atendimento médico a pessoas transexuais e travestis, de acordo com suas necessidades biológicas, e acrescentar termos inclusivos para englobar a população transexual na Declaração de Nascido Vivo (DNV) de seus filhos.

Cabe ao órgão competente tomar as medidas necessárias para adequação de seus sistemas, de modo a permitir o acesso às políticas públicas de saúde existentes sem a imposição de barreiras burocráticas, que, além de comprometer a própria efetividade da política pública, são aptas a causar constrangimento, discriminação e sofrimento à pessoa trans.

Nesse contexto, o Ministério da Saúde deve garantir aos homens e mulheres trans o acesso igualitário às ações e aos programas de saúde do SUS, em especial aqueles relacionados à saúde sexual e reprodutiva, como o agendamento de consultas nas especialidades de ginecologia, obstetrícia e urologia, independentemente de sua identidade de gênero.

Além disso, com o intuito de contemplar as identidades de gênero das pessoas transexuais, a Declaração de Nascido Vivo (DNV) expedida por hospitais no momento do parto de uma criança que nasce com vida, deve ter seu layout atualizado para que conste a categoria “parturiente/mãe” de preenchimento obrigatório e o campo “responsável legal/pai” de preenchimento facultativo.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, confirmou a medida cautelar anteriormente deferida e julgou procedente a ADPF, para determinar que o Ministério da Saúde adote todas as providências necessárias a fim de garantir o acesso das pessoas transexuais e travestis às políticas públicas de saúde, especialmente para: (i) determinar que o Ministério da Saúde proceda a todas as alterações necessárias nos sistemas de informação do SUS, em especial para que marcações de consultas e de exames de todas as especialidades médicas sejam realizadas independentemente do registro do sexo biológico, evitando procedimentos burocráticos que possam causar constrangimento ou dificuldade de acesso às pessoas transexuais; (ii) esclarecer que as alterações mencionadas no item anterior se referem a todos os sistemas informacionais do SUS, não se restringindo ao agendamento de consultas e exames, de modo a propiciar à população trans o acesso pleno, em condições de igualdade, às ações e aos serviços de saúde do SUS; (iii) determinar que o Ministério da Saúde proceda à atualização do layout da Declaração de Nascido Vivo – DNV, para que dela faça constar a categoria “parturiente/mãe” de preenchimento obrigatório e, no lugar do campo “responsável legal”, passe a constar o campo “responsável legal/pai” de preenchimento facultativo, nos termos da Lei nº 12.662/2012; (iv) ordenar ao Ministério da Saúde que informe às secretarias estaduais e municipais de saúde, bem como a todos os demais órgãos ou instituições que integram o SUS, os ajustes operados nos sistemas informacionais do SUS, bem como preste o suporte que se fizer necessário para a migração ou adaptação dos sistemas locais, tendo em vista a estrutura hierarquizada e unificada do SUS nos planos nacional (União), regional (estados) e local (municípios).

 

ADPF 787/DF, relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento finalizado em 17.10.2024 (quinta-feira)

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

"A natureza personalíssima dos alimentos, além de seu caráter de patrimônio moral em razão de sua finalidade, torna inviável a transferência aos herdeiros em caso de morte da alimentada"

 


Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 9/9/2024, DJe 12/9/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Alimentos vencidos. Natureza personalíssima. Patrimônio moral da alimentada. Impossibilidade de transmissão.

Destaque

A natureza personalíssima dos alimentos, além de seu caráter de patrimônio moral em razão de sua finalidade, torna inviável a transferência aos herdeiros em caso de morte da alimentada.

Informações do Inteiro Teor

Ressalta-se, de início, que os alimentos constituem o patrimônio moral do alimentando, não integrando seu patrimônio econômico; assim, em caso de falecimento, esse montante não se transmite aos herdeiros, tendo em vista a natureza personalíssima, ainda que vencidos e não adimplidos.

De fato, a orientação do STJ é no sentido de que, na ação de execução de alimentos, não é cabível a sucessão quando sobrevém a morte do alimentando, ainda que a verba alimentar esteja vencida e não tenha sido adimplida, em virtude de sua natureza personalíssima, sob pena de desviar a sua função alimentar. No mesmo sentido, veja-se o precedente abaixo:

[...] Os alimentos integram o patrimônio moral do alimentando, e não o seu patrimônio econômico, ainda que possam ser apreciáveis economicamente. Para efeito de caracterização da natureza jurídica do direito aos alimentos, a correlata expressão econômica afigura-se in totum irrelevante, apresentando-se de modo meramente reflexo, como ocorre com os direitos da personalidade. 4. Do viés personalíssimo do direito aos alimentos, destinado a assegurar a existência do alimentário e de ninguém mais, decorre a absoluta inviabilidade de se transmiti-lo a terceiros, seja por negócio jurídico, seja por qualquer outro fato jurídico. [...] (REsp 1.771.258/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 6/8/2019, DJe de 14/8/2019).