REsp 2.017.194-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 27/10/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
Teoria do desvio produtivo do consumidor. Relações jurídicas não consumeristas regidas pelo Código Civil. Inaplicabilidade.
A Teoria dos Desvio Produtivo do Consumidor é predisposta a ser aplicada no âmbito do direito consumerista, notadamente em razão da situação de desigualdade e de vulnerabilidade que são características das relações de consumo, não se aplicando, portanto, a relações jurídicas não consumeristas regidas exclusivamente pelo Direito Civil.
A controvérsia consiste em determinar se a denominada Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor é aplicável a relações jurídicas não consumeristas reguladas exclusivamente pelo Direito Civil.
A responsabilidade civil contemporânea é marcada, por quatro tendências fundamentais: a) a expansão dos danos indenizáveis; b) a objetivação da responsabilidade; c) a coletivização da responsabilidade, e d) o alargamento do rol de lesantes e lesados.
No que diz respeito à expansão dos danos indenizáveis - tendência que interessa mais de perto ao deslinde da controvérsia -, observa-se que a responsabilidade civil avança, atualmente, para além dos clássicos danos materiais e morais, abordando o dano estético, o dano por ricochete, o dano social, o dano transindividual, o dano pela perda de uma chance, entre outros.
Com efeito, a Teoria do Desvio Produtivo, parte da premissa de que "a sociedade pós-industrial [...] proporciona a seus membros um poder liberador: o consumo de um produto ou serviço de qualidade, produzido por um fornecedor especializado na atividade, tem a utilidade subjacente de tornar disponíveis o tempo e as competências que o consumidor necessitaria para produzi-lo [por si mesmo] para seu próprio uso" pois "o fornecimento de um produto ou serviço de qualidade ao consumidor tem o poder de liberar os recursos produtivos que ele utilizaria para produzi-lo" pessoalmente.
Desse modo, seria possível identificar, no ordenamento jurídico nacional, uma verdadeira obrigação imposta aos fornecedores de garantir a otimização e o máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade, entre eles, o tempo.
Tal obrigação teria por fundamento: (I) a vulnerabilidade do consumidor; (II) o princípio da reparação integral (Art. 6º, VI, do CDC); (III) a proteção contra práticas abusivas (art. 39 do CDC); (IV) o dever de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho imposto aos fornecedores de produtos e serviços (Art. 4º, II, "d", do CDC), e (V) o dever de informar adequadamente e de agir sempre com boa-fé (Art. 6º, III, e 51, IV, do CDC).
Observa-se que, na esteira da referida teoria, a tutela do tempo útil e seu máximo aproveitamento - valores subjacentes à função social da atividade produtiva - seria imposta aos fornecedores com base nas disposições especiais e protetivas do Código de Defesa do Consumidor.
Deveras, para os seus partidários, a referida teoria seria aplicável sempre que o fornecedor buscar se eximir da sua responsabilidade de sanar os infortúnios criados aos consumidores de forma voluntária, tempestiva e efetiva, levando a parte vulnerável da relação a desperdiçar o seu tempo vital e a desviar de suas atividades existenciais para solucionar o problema que lhe foi imposto.
Assim, infere-se da origem, dos fundamentos e dos seus requisitos que a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor - como denuncia o próprio nome que lhe foi atribuído - é predisposta a ser aplicada no âmbito do direito consumerista, notadamente em razão da situação de desigualdade e de vulnerabilidade que são as notas distintivas das relações de consumo.
Com efeito, não se pode olvidar que o Direito do Consumidor possui autonomia e lógica de funcionamento próprias, máxime por regular relações jurídicas especiais compostas por um sujeito em situação de vulnerabilidade, o consumidor.
As construções doutrinárias erigidas com base neste ramo especial do Direito não podem ser livremente importadas, sem maiores reflexões, por outros ramos do ordenamento jurídico, notadamente pelo Direito Civil, sob pena de se instalar indevido sincretismo metodológico que deve ser evitado.
Ademais, importa consignar que, por envolver a adoção de um conceito jurídico indeterminado sobre o qual ainda não há nenhum acordo semântico - a denominada "perda do tempo útil" -, eventual aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor exige cautela e parcimônia, sob pena de causar indesejada insegurança jurídica.
De fato, deve-se observar que "a tutela jurídica do tempo, principalmente na via indenizatória, jamais poderá ser subvertida por sua conversão em fonte fácil de renda e enriquecimento sem causa".
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