terça-feira, 11 de abril de 2023

"Cabe à autoridade judiciária brasileira processar e julgar a ação de rescisão contratual em que os autores pactuaram contrato de adesão de prestação de serviços hoteleiros - sendo os aderentes consumidores finais - com sociedade empresária domiciliada em território estrangeiro e os autores domiciliados no Brasil"

 


Processo

REsp 1.797.109-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 24/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL


Tema

Contrato de prestação de serviços hoteleiros. Pedido de rescisão. Celebração no exterior. Pessoas físicas. Domicílio no Brasil. Relação de consumo. Autoridade judiciária brasileira. Competência. Art. 22, II, do CPC/2015. Cláusula de eleição de foro. Abusividade. Afastamento. Arts. 25, § 2º, e 63, § 3º, CPC/2015.

DESTAQUE

Cabe à autoridade judiciária brasileira processar e julgar a ação de rescisão contratual em que os autores pactuaram contrato de adesão de prestação de serviços hoteleiros - sendo os aderentes consumidores finais - com sociedade empresária domiciliada em território estrangeiro e os autores domiciliados no Brasil.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia resume-se a saber se a Justiça brasileira é competente para processar e julgar a ação de rescisão de contrato de negócio jurídico celebrado em território mexicano para ali produzir os seus efeitos, tendo como contratadas pessoas físicas domiciliadas no Brasil.

O art. 22, II, do CPC/2015 contém norma específica acerca da competência da autoridade judiciária brasileira para conhecer de demandas decorrentes das relações de consumo, desde que o consumidor tenha domicílio ou residência no Brasil.

Eis, por oportuno, a transcrição do referido dispositivo: "Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações: (...) II - decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil".

No caso, observa-se que os autores celebraram negócio jurídico com a Sol Meliá VC México S.A. que tem por objetivo o uso das instalações do Hotel Paradisus Cancun em temporadas expressamente previstas no contrato, mediante o pagamento de cotas de manutenção.

É notório que as partes pactuaram contrato de adesão, haja vista que as cláusulas foram unilateralmente elaboradas pela Sol Meliá - fornecedora dos produtos e dos serviços - sem que os aderentes pudessem discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo.

A própria natureza do negócio, evidencia a sua natureza de adesão.

Em outras palavras, o aderente apenas tem a faculdade de escolher o plano a ser contratado, mas não tem ingerência sobre as cláusulas que irão reger as relações entre as partes negociantes.

Além do mais, os aderentes são nitidamente consumidores finais dos produtos e dos serviços ofertados pelo Resort/Hotel, enquanto a Sol Meliá VC México S.A. figura na condição de prestadora dos serviços de hospedagem e fornecedora outros serviços ofertados pelo clube, o que traz a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Idêntica conclusão pode ser extraída do julgamento do REsp 1.378.284/PB, no qual a Quarta Turma do STJ entendeu pela aplicação do CDC a caso análogo envolvendo o Clube de Turismo Bancorbrás.

Acrescenta-se que os autores têm domicílio no Brasil, motivo pelo qual a Justiça brasileira é competente para conhecer da demanda, nos termos da norma prevista no já citado art. 22, II, do CPC/2015.

Nesse contexto, conforme previsão contratual, o negócio jurídico foi realizado em território estrangeiro e teve por objeto a utilização do Hotel Paradisus Cancun, no México. Desse modo, fica clara a inaplicabilidade dos incisos II e III do art. 21 do CPC/2015, pois a obrigação, em linha de princípio, deveria ter cumprimento no México, por fato e ato ali ocorrido e praticado.

Quanto a existência de cláusula de eleição de foro estrangeiro em contrato consumerista internacional, o art. 25 do CPC/2015 afasta a competência da autoridade judiciária brasileira para o processamento e julgamento de ação.

O CDC, em seus arts. 6º, VIII, e 51, I, prescreve como garantia do consumidor a facilitação da defesa dos seus direitos, permitindo ao juiz a declaração de nulidade de cláusulas consideradas abusivas. Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça orienta no sentido da nulidade de cláusula de eleição de foro a partir da demonstração do prejuízo ao direito de defesa e de acesso ao judiciário.

Nessa linha de raciocínio, nada impede que, em contrato consumerista, o magistrado declare nulo o foro de eleição diante do prejuízo e da dificuldade de o consumidor acionar a justiça estrangeira para fazer valer o seu direito. Se assim não fosse, restaria esvaziado o conteúdo normativo do art. 22, II, do CPC/2015, já que, em sua ampla maioria, os contratos de (ou por) adesão possuem cláusula que estabelece o foro competente para dirimir eventuais conflitos.

Ademais, essa permissão de afastar o foro eleito não necessita de esforço retórico ou argumentativo, nem do uso da principiologia do microssistema consumerista, tendo em vista que art. 25, § 2º, do CPC/2015 prevê a aplicação do art. 63 do CPC/2015, que, em seu § 3º, determina que, "antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu".

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