REsp 2.210.341-CE, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025.
DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO DIGITAL
Contrato de adesão. Cláusula de eleição de foro estrangeiro. Site de apostas estrangeiro direcionado ao público brasileiro. Abusividade. Acesso à justiça. Nulidade da cláusula.
A cláusula de eleição de foro estrangeiro em contratos de adesão, celebrados pela internet entre empresa com sede estrangeira e consumidor brasileiro, pode ser declarada nula quando criar obstáculos ao acesso à Justiça pelo consumidor brasileiro.
A controvérsia cinge-se à validade de cláusula de eleição de foro estrangeiro em contrato de adesão celebrado pela internet entre empresa estrangeira e consumidor brasileiro.
No caso, a parte autora, consumidora com domicílio no Brasil, alega ter realizado aposta em plataforma on-line de empresa com sede estrangeira. A operação teria sido realizada pela internet, em site acessível no território nacional e direcionado ao público brasileiro. A cláusula que elegeu o foro estrangeiro para solução de eventuais controvérsias não foi objeto de negociação específica, tendo sido imposta unilateralmente pela empresa provedora do serviço.
Nesse contexto, é preciso conciliar os dispositivos legais que aparentemente poderiam levar a conclusões diversas: de um lado, o art. 22, II, do CPC, que estabelece a competência da autoridade judiciária brasileira para processar e julgar ações decorrentes de relações de consumo quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; de outro, o art. 25 do CPC, que prevê a não competência da autoridade judiciária brasileira quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional.
A solução para esse aparente conflito normativo reside na interpretação sistemática e teleológica do ordenamento jurídico brasileiro. Embora o art. 25 do CPC preveja a validade da cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, seu § 2º determina a aplicação do art. 63, §§ 1º a 4º, do mesmo diploma legal, que autoriza o magistrado a reputar ineficaz, de ofício, a cláusula de eleição de foro abusiva.
Portanto, tratando-se de contrato de adesão com cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro, é possível a declaração de sua nulidade pelo Poder Judiciário brasileiro, desde que presentes, cumulativamente, três requisitos fundamentais: 1º) que a cláusula esteja inserida em contrato de adesão, no qual as condições são unilateralmente impostas pelo predisponente; 2º) que o aderente seja reconhecidamente hipossuficiente do ponto de vista técnico, econômico ou jurídico; e 3º) que a manutenção da cláusula acarrete ao aderente significativa dificuldade ou impossibilidade de acesso à jurisdição.
Obrigar o consumidor brasileiro a litigar em foro estrangeiro imporia ônus desproporcional, considerando as barreiras linguísticas, diferenças procedimentais, elevados custos e distância geográfica, o que representaria violação ao sistema de proteção estabelecido pela Constituição Federal (art. 5º, XXXII) e pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 4º, I), que reconhecem a vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo e buscam garantir o equilíbrio contratual e o efetivo acesso à Justiça.
Os avanços tecnológicos e a consolidação do comércio eletrônico transnacional demandam critérios mais flexíveis para determinação da competência jurisdicional. Considera-se que um site que deliberadamente direciona suas atividades para consumidores residentes no Brasil, através de indicadores como língua, moeda e domínio locais, submete-se à jurisdição brasileira.
Dessa forma, afastar a cláusula de eleição de foro estrangeiro não significa negar validade à autonomia privada nos contratos internacionais, mas sim reconhecer que, em contratos de adesão que configuram relações de consumo, a tutela da parte vulnerável e a garantia do acesso à Justiça devem prevalecer, especialmente quando a aplicação literal da cláusula resultaria, na prática, em inviabilidade de defesa dos direitos do consumidor.
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