quarta-feira, 17 de setembro de 2025

"A cláusula de eleição de foro estrangeiro em contratos de adesão, celebrados pela internet entre empresa com sede estrangeira e consumidor brasileiro, pode ser declarada nula quando criar obstáculos ao acesso à Justiça pelo consumidor brasileiro" (REsp 2.210.341-CE)

 


Processo

REsp 2.210.341-CE, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO DIGITAL

Tema

Contrato de adesão. Cláusula de eleição de foro estrangeiro. Site de apostas estrangeiro direcionado ao público brasileiro. Abusividade. Acesso à justiça. Nulidade da cláusula.

Destaque

A cláusula de eleição de foro estrangeiro em contratos de adesão, celebrados pela internet entre empresa com sede estrangeira e consumidor brasileiro, pode ser declarada nula quando criar obstáculos ao acesso à Justiça pelo consumidor brasileiro.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia cinge-se à validade de cláusula de eleição de foro estrangeiro em contrato de adesão celebrado pela internet entre empresa estrangeira e consumidor brasileiro.

No caso, a parte autora, consumidora com domicílio no Brasil, alega ter realizado aposta em plataforma on-line de empresa com sede estrangeira. A operação teria sido realizada pela internet, em site acessível no território nacional e direcionado ao público brasileiro. A cláusula que elegeu o foro estrangeiro para solução de eventuais controvérsias não foi objeto de negociação específica, tendo sido imposta unilateralmente pela empresa provedora do serviço.

Nesse contexto, é preciso conciliar os dispositivos legais que aparentemente poderiam levar a conclusões diversas: de um lado, o art. 22, II, do CPC, que estabelece a competência da autoridade judiciária brasileira para processar e julgar ações decorrentes de relações de consumo quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; de outro, o art. 25 do CPC, que prevê a não competência da autoridade judiciária brasileira quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional.

A solução para esse aparente conflito normativo reside na interpretação sistemática e teleológica do ordenamento jurídico brasileiro. Embora o art. 25 do CPC preveja a validade da cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, seu § 2º determina a aplicação do art. 63, §§ 1º a 4º, do mesmo diploma legal, que autoriza o magistrado a reputar ineficaz, de ofício, a cláusula de eleição de foro abusiva.

Portanto, tratando-se de contrato de adesão com cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro, é possível a declaração de sua nulidade pelo Poder Judiciário brasileiro, desde que presentes, cumulativamente, três requisitos fundamentais: 1º) que a cláusula esteja inserida em contrato de adesão, no qual as condições são unilateralmente impostas pelo predisponente; 2º) que o aderente seja reconhecidamente hipossuficiente do ponto de vista técnico, econômico ou jurídico; e 3º) que a manutenção da cláusula acarrete ao aderente significativa dificuldade ou impossibilidade de acesso à jurisdição.

Obrigar o consumidor brasileiro a litigar em foro estrangeiro imporia ônus desproporcional, considerando as barreiras linguísticas, diferenças procedimentais, elevados custos e distância geográfica, o que representaria violação ao sistema de proteção estabelecido pela Constituição Federal (art. 5º, XXXII) e pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 4º, I), que reconhecem a vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo e buscam garantir o equilíbrio contratual e o efetivo acesso à Justiça.

Os avanços tecnológicos e a consolidação do comércio eletrônico transnacional demandam critérios mais flexíveis para determinação da competência jurisdicional. Considera-se que um site que deliberadamente direciona suas atividades para consumidores residentes no Brasil, através de indicadores como língua, moeda e domínio locais, submete-se à jurisdição brasileira.

Dessa forma, afastar a cláusula de eleição de foro estrangeiro não significa negar validade à autonomia privada nos contratos internacionais, mas sim reconhecer que, em contratos de adesão que configuram relações de consumo, a tutela da parte vulnerável e a garantia do acesso à Justiça devem prevalecer, especialmente quando a aplicação literal da cláusula resultaria, na prática, em inviabilidade de defesa dos direitos do consumidor.

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